terça-feira, 7 de junho de 2011

CASA ARRUMADA É ASSIM...

Casa arrumada é assim:




Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.

Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.

Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas...

Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:

Aqui tem vida...

Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras

e os enfeites brincam de trocar de lugar.

Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.

Sofá sem mancha?

Tapete sem fio puxado?

Mesa sem marca de copo?

Tá na cara que é casa sem festa.

E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.

Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.

Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,

passaporte e vela de aniversário, tudo junto...

Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.

A que está sempre pronta pros amigos, filhos...

Netos, pros vizinhos...

E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia.

Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.

Arrume a sua casa todos os dias...

Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela...

E reconhecer nela o seu lugar.





Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

ELEMENTOS PARA UM ANO NOVO

ELEMENTOS PARA UM NOVO ANO
Chico Alencar*

‘’Quando desejamos boas festas, na verdade a festa somos nós”(Aldir Blanc/Ivan Lins)

Mais do que ‘saúde e prosperidade’, desejo a você e a todos da nossa errante espécie a vivência em nós dos quatro elementos que nos compõem, e do qual andamos tantas vezes esquecidos.

Sejamos TERRA, fecunda argila de onde viemos, solo rico que dá nome ao planeta, nossa casa comum. Ser terra é fazer brotar toda semente de flor e fruta em nós jogada, até por quem desconhecia esta semeadura em fatos e afetos. É se abrir, dadivoso, ao bom, ao belo, ao que tem destino de vicejar e servir. Ser terra é plantar os pés no chão e livrá-los - pés, chão e coração - de todos os venenos.
Sejamos ÁGUA, líquido precioso que nos rega e rege, e que tanto desperdiçamos. Ser água é buscar a profundidade do eu, que só é com, ser-para-os-outros. É limpar a ferida e lavar a mágoa que paralisa, na secura do ceticismo. É aprender a nadar na leveza de quem se sabe na direção das margens do que é justo. Ser água é mergulhar, sem medo, na atraente fonte do amor, que sempre renova e refresca a caminhada.
Sejamos FOGO, ardor incandescente que queima as iniquidades e as mesquinharias do cotidiano. Ser fogo é preservar, em nós, a chama inegociável e sem igual do ideal. É manter, apesar dos inevitáveis percalços que tanto abafam, o entusiasmo, este ‘Teo’ que nos habita e aquece, mesmo no frio do sofrimento. Ser fogo é sustentar o lume, o canto na fogueira, o brilho em meio à opacidade reinante.
Sejamos AR, buscando o sopro do Espírito que enleva e eleva. Ser ar é saber que há imensidão adiante do palpável e do imediato, tantas vezes pesado. É colocar asas para alcançar as alturas, respirando com pureza de menino que empina a pipa da alegria. É abrir os olhos no rumo da liberdade, cujo limite é o bem viver possibilitado a todos, sem exceção. Ser ar é inspirar a brisa despoluída da amizade, da solidariedade, da gratidão.

Então, ouso ir além do sincero e convencional ‘Feliz Ano Novo’ e desejo a você, aos seus amado(a)s e a todos nós o que faz a vida, girando calendários, prosseguir valiosa: fazermo-nos, cada vez mais, árvore, adubo e canteiro; nascente, rio e mar; centelha, brasa e iluminação; sopro, aragem e inspiração.

*Chico Alencar é professor de História, deputado federal (PSOL/RJ) e cidadão santarrosense e planetário